maio
11
2021
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Palimpsesto de Memórias na Paisagem Urbana

Dirigi o filme “Paisagem Urbana“, há 15 anos, como uma espécie de cartografia-afetiva do centro histórico da ilha de santa catarina. tentei retratar o paradoxo do crescimento, que se alimenta de sua própria transformação. ao vento sul e meia luz de outono.

tentei retratar o paradoxo de crescimento, que se alimenta de sua própria transformação. filmei ao vento sul e à meia luz de outono.

coletei memórias minhas, do meu pai e mãe, de amigos escritores, reinventadas na voz da atriz Monica Siedler.
os planos são soltos, fora do eixo. fotografei mas não sou fotógrafo. escolhi uma grande angular com zoom como lente que distorce a distância; achata o primeiro plano ao fundo.

o efeito da distância focal é uma ilustração do que penso quando caminho pelo centro.

conheci uma pintura de Paul Klee quando pesquisava a Bauhaus durante o curso de Design na Udesc (1997) — “Uma Folha do Livro de Registro da Cidade”, com o conceito de palimpsesto.

o palimpsesto são camadas de escritas. se achatar o plano sem profundidade de campo, compondo a arquitetura antiga com a brutalista e eclética, pensei estar criando camadas de memória.

12 anos depois montei a exposição “Détournement #1: À Deriva” na Galeria Municipal de Arte Pedro Paulo Vecchietti com o mesmo dispositivo do palimpsesto.

o conceito de <détour> de Guy Débord (ou de Hegel?) sobre o desvio da função de objetos: caminhei pelo centro à deriva e coletei objetos e imagens que tenham letras, grafias, tipos, montando-os no espaço expositivo da galeria.

não consegui o que queria, de fato, no documentário “Paisagem Urbana”. hoje a tecnologia de drone facilita muito mais filmar a arquitetura do centro histórico, e com um celular gravar em time-lapse as pessoas caminhando apressadas.

ao invés de ter feito um documentário com entrevistas com especialistas, me deixei levar pelo vento no outono, flanando, ouvindo e registrando as pessoas caminhando.

o roteiro foi co-escrito com Victor da Rosa e a montagem é de Yannet Briggiler, com trilha sonora original de Diogo de Haro.

o filme recebeu apoio do fundo municipal de cinema de florianópolis, através do Edital Armando Carreirão, que (espera-se) esteja sendo retomado (com hiato de 05 anos).

pois são muitas imagens e pessoas e histórias para serem registradas, antes que vire tudo um centro urbano gentrificado, sem identidade.

o cineasta alemão Wim Wenders escreveu sobre a paisagem urbana, em texto para a revista da Unesco nos anos 90, que “a cidade precisa de imagens para contar sua história”.

o convite da Unesco foi da Expo Lisboa, onde ele teve liberdade de filmar o que quisesse, e rodou o improvisado e essencial “Céu de Lisboa” (1995).