maio
17
2021

Questões Urgentes em Marighella de Wagner Moura

tem muitas questões no filme Marighella de Wagner Moura. uma delas me parece muito uma velha receita de “dialogar com os gringo”.

isso na parte estética, nessa cena linda no mar tem uma relação evidente com Moonlight de Barry Jenkins, e os letreiros gigante “RIO DE JANEIRO” mais evidentes como significantes reconhecíveis do que função narrativa da história.

o Chico Science cantando é mais legal ouvir e ressignificar 30 anos depois suas letras do Nação Zumbi do que estarem sobre ilustração da cena de assalto ao trem. e isso de achar legal é muito subjetivo, acha quem quiser o filme legal, quem detesta não é só bolsonarista, também é quem constrói linguagem.

assim como produtora que fez Cidade de Deus é uma das mais mercenárias do mercado, ao invés de aproveitar a onda do compartilhamento pirata, como fez a Disney com o Mandaloriano, o Fernando Meirelles vem peitar os brasileiros pra reclamar de prejuízo, e se a O2 com o filme do Chorão Marginal Alado faz um boxoffice “inesperado” a O2 vai compartilhar o lucro?

se Marighella for bom vai ter pagante no Brasil sim. a questão se for meramente capitalista, Wagner Moura acertou em traduzir a estética para “conversa com os gringo”. e que se foda o público brasileiro, não tem essa de censura por tema, nem o ator é esquerdista, acho que nem o diretor, nem ninguém ali. só o personagem.é fatia de mercado mesmo a questão.

é como a tal da “Frente de Esquerda” em cidades como Florianópolis que discutiram horrores antes da formação como se tivesse um flanco aberto para invadir o campo e ganhar a batalha, mas não. depois de tanta conversa chegaram cansados dialogando na propaganda com uma estética para “agradar a classe média”.

ora se Wagner Moura quer mostrar ruptura, que demonstre no processo de distribuição aberta, anti capitalista, anti estética estadounidense, porque tem cenas lindas como essa no mar conversando com seu filho Carlinhos.e a tensão de câmera no ombro constante com a paleta de cores colombiana?

Jorge Paz, esse é o cara do filme Marighella, dirigido por Wagner Moura. é o condutor da ação dramática. é o único ator do elenco que transmite a luta da história com os olhos.

Marighella é um filme “macho”. tem uma carga violenta e expressiva de motivação.

é filha da puta caralho porra viado prá lá e prá cá metade dos diálogos. essa “macheza” me lembra do filme Coriolano, baseado em Shakespeare, a estreia na direção do ator Ralph Fiennes.

em Coriolano, o ator Gerard Butler, o machezo Leônidas do 300 de Sparta de Zack Snyder, faz o antagonista Tullus Aufidius. em comum a recriação de um mundo artístico inverossímil.

Moura cria um Brasil intoxicado com a grafia de Adrian Teijido (fotógrafo da série Narcos), com personagens maltrapilhos, duotônicos, cor-de-barro.

em Coriolano, o ator-diretor Fiennes recria Roma como um interstício de exército americano-britânico em alguma parte do oriente médio ou leste europeu.

o macho tóxico shakespereano de Fiennes é tragado pela estética da guerra video-game, uma suposição de atração ao público massificado do cinema de entretenimento.

suposição que sobra demais em Marighella. tem uma história boa? tem production value? tem.

tem elenco foda e comprometido que propôs cada personagem usar o nome próprio como “resistência”? check.

é um mundo idealizado pela direção de arte com estética do olhar americano para latinoamérica? check.

“tem que conquistar público do cinema de entretenimento”, dizem marqueteiros.

em entrevista ao portal Terra, Moura diz que o filme é uma resposta artística contra o fascismo.se assume como pop porque usa Chico Science em cena de ação em que a letra se torna didática (“Viva Zapata! Viva Sandino! Viva Zumbi! Antônio Conselheiro! Todos os Panteras Negras!”)

é pop mas tem uma carga de erudição com uma outra leitura além das cenas.

como em Coriolano o tópico de dispositivo central é a atuação. em Marighella a voz de Wagner Moura tá em todos atores. quando digo voz, falo da entonação mesmo.

é o ator Moura do Capitão Nascimento que fala tanto pelo militante de esquerda quanto pelo capitão do elogiado Bruno Gagliasso.mas é Jorge Paz que não li nada a respeito em lugar algum, ator que transcende e passa por cima desse ambiente tóxico da câmera de Narcos.

a câmera é um problema em Marighella, porque em todos pontos de vista, e todos os planos, todos, ela é solta, propositalmente solta.

Moura parece escolher uma tour de force teatral, um bota-fora emocional machezo contra a porra da ditadura.o que para a narrativa do filme como construção de imagens cinematográficas, sobre tempo, elipse, lugar, identificação, essa soltura de olhar da câmera não linka com uma perspectiva da história.

é um método narrativo que não conquista platéia, como no Shakespeare de Ralf Fiennes, amplia os horizontes da dramaturgia, mas como contação de história é uma catarse verbal que aponta mais labirintos sobre os fatos do que os entrega.

parece a preocupação com uma nova plateia que se identificaria na forma, mas menospreza uma grande e imensa maioria que se identifica com qualquer heroi que a linguagem do cinema pode transmitir por um storytelling objetivo.

não acho que é um método de atuação menor, em oposição a narrativa “clássica” ou asséptica, ou prosaica como muitos filmes da Globo.

mas é um mundo que incomoda pelo aprisionamento que a caracterização excessiva da arte “de época” em transmitir uma ideia de imagem que é fruta de um olhar estrangeiro, americanizado.

e o contraponto à forma tem passagens como na cena do personagem Jorge Paz é torturado e ele grita “estão torturando um BRASILEIRO, um BRASILEIRO!”.

a chamada para o ufanismo raiz de se reapropriar de um patriotismo que não seja canalha e fascista vem com uma macheza gritada, cuspida, ensanguentada com a câmera tensa o tempo todo, gerando um anti clímax no plano final dos atores cantando intensamente o hino nacional.

ou seja, emprega recursos americanizados de estética fotográfica e imaginário do atraso latino corrupto para defender uma tese de resistência, em meio a um modelo de distribuição capitalista de um filme que não entrou no circuito de sala de cinema, vazou a cópia pirata e os detentores dos direitos autorais reclamam que esses pobres latinos estão roubando a propriedade privada.de se pensar, se essa macheza toda e gritaria transmite uma ideia que o tema é tóxico ou a narrativa que é mais do que o conteúdo.