maio
18
2021

Joker e o Assombro Fantasmático

um dos últimos filmes que assisti em sala de cinema antes da pandemia, assustadoramente inspirador para refletir sobre cinema.

a relação de cores e movimento em Joker é assombroso. o que Žižek fala sobre a fantasia do cinema (The Pervert Guide), que sabemos que é uma construção de mentirinha, mas a gente quer ver o monstro saindo do vaso sanitário.

Žižek ilustra o desejo pelo fascínio de vermos o pesadelo no cinema com a cena de Gene Hackman no A Conversação (1974, Coppola), quando a cabeça da mulher que o investigador procura está dentro da patente, num quarto de hotel.

o investigador quase sai do banheiro mas alguma coisa chama a atenção, uma intuição. a esse desejo queremos ver o horror, o demônio no corpo em O Exorcista (1973, de William Friedkin), o Hannibal (1991, de Johnatan Demme) ou a loucura de Aileen / Charlize Theron em Monster (2003, de Patty Jenkins).

em Joker o personagem Arthur tira as prateleiras da geladeira e entra. A câmera quebra e avança lentamente como se um campo magnético tivesse sido criado.a gente espera que da geladeira vai explodir o coringa fantasiado.

Mas explode a rua. um filme cheio de perigos, de limites cruzados, que aparecem na maquiagem do palhaço (começa com as cores delimitadas, até não haver mais bordas na transformação na persona/máscara).

uma cena de perigo com Chaplin no cinema andando de patins nas bordas de uma mansão (1936, Tempos Modernos) transmite não só aquele aviso que vejam audiência, isto é apenas um filme, como o tempo todo explicando a plateia que não há motivação política.o perigo da luta de classes é diferente da Bane no último Batman de Nolan que entra em Wall Street para destruir o sistema com uma infiltração pelo underground / esgotos da megalópole.

a ideia no entanto é a mesma, que a rebelião da luta de classes é feita por lunáticos terroristas, mas o Wayne bilionário em Joker é um babacão, estilo Macri ou Trump, que fala que sendo rico é quem vai levar a solução da pobreza se candidatando ao governo.

sessão Cinemática de janeiro 2020, que produzi na Sala de Cinema do CIC um pouco antes da pandemia

o que faz então alguém massacrado pelas circunstâncias a se tornar assassino usando uma mácara/persona como veículo de sua patologia (que Hannibal entende bem, com noção de si mesmo, por isso mesmo atraente no cinema), é o mesmo fator que leva o menino Bruce a se tornar Batman.

o Batman é o mauricinho de Wall Street que bate no Arthur/palhaço dentro do metrô, e seu pai Wayne é o político ultra neoliberal com inclinações fascistas.o filme é uma forma lúdica de desvendar disfarces.

Robert de Niro tem uma chave de alguns de seus personagens com Scorsese que transmite toda hipocrisia da mídia popular de tv em gestos e olhares.apesar de eu ter roncado em algumas cenas, a descida coreografada na escadaria como Joker, em mesmo local onde Arthur subia oprimido, tem uma beleza emocionante, uma espécie de redenção pelo assombro, uma fagulha de humanidade além do bem do mal.

Hannibal não é só também humano, é demasiadamente humano.

esse seria o super-homem / Übermunsch que Nietzsche fala sobre o desejo de potência, na qual Hollywood baseia sua fantasia?

na complexidade, o palhaço sem graça, doente e psicótico, que teve uma infância terrível, encontra sua máscara que melhor transmite quem é de verdade.

seria Joker de Todd Phillips o verdadeiro Batman? vale rever todos últimos filmes de Joaquin Phoenix e ver ele mesmo um ator em transformação quase perfeita.achei, sem rancor nenhum de ‘apropriação de estética de filme de arte’ um dis melhores filmes assistidos no cinema (sala cinépolis na palhoça, projeção assustadoramente perfeita).