abr
01
2022

Sobre Olhar e Assistir e Ver

o documentário sobre o olhar fala em primeira pessoa de maneira hipnótica. o autor Mark Cousins junta peças sobre a relação de ver filmes com o olhar. [“ver filmes” quer dizer pensar imagens]. e imagens são projeções na tela ou na memória.

assistir um filme pode ser ver a si mesmo. as peças que o autor junta são arquivos de imagens gravadas por sua câmera, em várias partes do mundo, e a narrativa que acompanha sua expectativa pra cirurgia no olho esquerdo.

o filme abriu ontem o festival étudoverdade, e mostra que o autor da série Story of Film an Odissey parece abusar da sobriedade pra falar de imagens carregadas de emoção.

não se sabe se evitar qualquer traço sentimental faz da retórica uma narrativa mais verdadeira, sei lá, mais autêntica.

Cousins impressiona pela associação da imagem de um filme para outra. juntando conceitos de inovação e uma carga desnudada de maquinação.

parece ele mesmo se tornando objeto de análise um aprofundamento de reflexão sobre a existência que é viver em torno de uma diretriz contínua, que é pensar em cinema, o tempo todo.

é uma aula de documentário em como organizar imagens de acervo.e uma investigação sobre o olhar, com cenas de Ray Charles falando sobre a falta da visão física, mas mesmo assim “não sente falta de enxergar”.

me fez lembrar o “Janela da Alma” do Walter Carvalho e João Jardim, frase do título atribuída a Leonardo da Vinci. nesse filme, me marcou a fala do neurocientista Oliver Sacks, sobre a relação do nervo ótico com a alma (ou foi uma fala de outro documentário?).

o exercício de olhar ao outro, é talvez é mais piegas e simples noção de mundo, que hoje, tende com a “hipernormalização” cada vez mais a capitalizar o selfie.na “Imaginação Pornográfica” Susan Sontag fala sobre a ficção criada em torno do obsceno. no documentário Cousins lembra do mito de Diana e Ácteon, ela deusa da caça, ele um caçador que a vê nua na floresta, com suas ninfas, e como castigo a deusa o transforma num cervo, com chifres.

a ideia do proibido ou da escopofilia é a força que move naturalmente o olhar de todos humanos para a imagem, é a atração do cinema.

o obsceno em forma de código moral serve como uma luva (ou um par de lentes, um óculos opaco) em sociedades que determinam que o olhar para si mesmos é proibido.sociedades que preferem proibir o cinema para não ter nenhuma forma de espelho.

acho que é um pouco da sociedade experimentada pela temporada bolsonarista, e que já vem de antes nos dogmas do “empreendedorismo”, a capitalização de si mesmo perante o mundo, e que se fodam os outros.talvez, por isso, é muito difícil passar documentário no brasil.

A HISTÓRIA DO OLHAR(Mark Cousins, 2021, 1h30)

onde: É Tudo Verdade Play [bit.ly/38iTkdd]

31/3, às 21h(limite de 1.500 visionamentos)

(agradecimentos pela dica Cinemas Luz)