dez
03
2021

Por mais Radha no mundo!

Radha Blank escreveu, dirigiu e estreou o belo The 40-Year-Old Version, filme lindaço, inteligente, revelador.

(( já que não conseguimos assistir à maratona de festivais que deve ter filmes belíssimos também, valeu o risco de um Netflix na madrugada de domingo. ))

numa NY em preto&branco em meio à gentrificação e o politicamente correto, uma professora de teatro em escola pública da periferia se encontra num dilema de “entrar no meio” ou descobrir que pode ser rapper.

“entrar no meio” é aquele jargão do circuito, de abrir concessões para entrar verba. e para isso Radha faz um jogo de espelhos no seu longa de estreia na direção que é sensacional.

primeiro item evidente: o Roteiro. a escritora já vinha de experiência de roteirista no seriado Shes Gotta Have It do Spike Lee, entre outros.

a construção do Roteiro parece um guia de inclusão social e como “não” trabalhar com o tema.

no Brasil o trabalho no Roteiro, ao meu ver, tende a uma aposta sobre “afetos”, como se afetos servissem como uma panaceia de todos problemas sociais.

no filme “40 Years Old” é muito bem dosado o que de contraditório pode existir numa pessoa que deseja ser artista, mas balança entre se encarar de fato, de falar de sua cidade através das suas personagens.

e Radha como alter-ego de si mesma, chega aos 40 anos sem reconhecimento como atriz, sem com isso generalizar os espectros de narcisismo inerentes ao meio artístico, ilustrados por meio das relações de produção.

quando consegue verba para produzir sua peça “Avenida Harlem”, abre concessão para o olhar do patrocinador (branco obviamente), amenizando os conflitos de classe sobre o tema “gentrificação” do bairro retratado.

outro filme que trata de gentrificação mas fica numa ilustração óbvia e até infantil é Vampires Vs The Bronx, tb no Netflix.

no entanto parece que o cálculo do Roteiro (às vezes tão redondo que soa como uma <boa> oficina de “Storytelling”), deixa alguns personagens planos, como Forrest, reconhecido autor de teatro negro, dono de sala, que no final fica apenas abanando leque na plateia, poderia ter tido mais presença.

mas é aí que Radha nos conquista, nos diálogos, nos nomes (como a diretora de teatro branca “Lipshitz” contratada para dirigir sua peça, a contragosto), a conversa com o morador de rua.

todos arquétipos de Roteiro estão ali, mas o improviso, a rima, é de arrepiar. é foda, é muito bom.

os inserts de quadro em proporção menor com “conversas” com uma senhora, um dono de quitanda, dois jovens, uma latina, dão um tom de documentário inesperado, mas muito bem encaixado.

a atuação do elenco jovem, os temas da peça de teatro encenada por eles mesmos, e a camada de auto biografia com a obra da sua própria mãe, uma artista plástica, através de fotografias, acheo genial.

vale a pena assistir, e caso venha a ser um filme mais conhecido, não vai demorar para atacarem o “politicamente incorreto”.

acredito que isso que é cinema, que pode ter um pouco a roupa de um filme de entretenimento, se a autora quiser, por que ela quer, não porque existe um corpo de jurados que define que tipo de filme deveria ser.

acho que fica evidente que a gentrificação também nos atinge, enquanto artistas, a ter que competir com ideias que não estejam formatadas dentro de um “circuito de afetos”.

acho que o cinema e o campo artístico deveria impor somente uma coisa, o atrito entre ideias e a diversidade. corta para cena no slam no ring.