jul
29
2021

Sobre montagem em “O Processo” de Maria Augusta Ramos

“O Processo” de maria augusta ramos, é um filme de arestas.o tema do documentário fala sobre o que não é narrado. os tempos de silêncio são de leitura muito evidente sobre a organização do golpe que tirou dilma roussef da presidência, há cinco anos. maria augusta ramos é mestre da montagem de contracampo.

o processo do título também fala da construção narrativa: não é “o produto”, como em “democracia em vertigem”, de petra costa — indicado ao oscar, etc.o título é um substantivo, como nos outros trabalhos da autora (“justiça” de 2004 e ” juízo” de 2007, são exemplos), acrescentado do artigo O.

é O Processo.é kafkaniano, burlesco e bafônico teatro do poder representativo em brasília. parece que foram captadas mais de 500 horas de material bruto para chegar à edição de pouco mais de 2h de filme, que tem disponível no netflix.

O Processo kafkaniano, que o advogado geral da União define como uma acusação do plano das ideias da caverna de Platão, de mais forma que substância.é o advogado, a senadora, o relator, personagens que não tem nome indicado. com modo de narrar oposto ao de petra costa, que flexiona em primeira pessoa os acontecimentos, o filme da maria augusta tira do vértice em desequilíbrio (em vertigem), linhas de força.

são arestas puxadas em profundidade: tem em primeiro plano os discursos e em segundo a linguagem de contraste. após um debate acalorado, um ou dois planos sem ruído. sem ruído e estridente, transbordante, visível e na cara dos conspiradores do golpe, com todo jogo de linguagem corporal, nojento e asqueroso.

parece que cinco anos forma uma eternidade. naqueles meses de 2016 não tem como não nos lembrar onde estávamos naquele momento. era ocupação, manifestação, modo sobreviência, o caos. a tristeza total tomando conta e a sensação de impotência.

mas isso é uma leitura minha. e filme que tem um pouco de tridimensionalidade, puxada pelas linhas de contraponto, e principalmente pela montagem, tende a não fazer sucesso de público.porque não tem uma voz a explicar e conduzir como pensar as imagens. que em “democracia em vertigem” tem demais.

e é uma oportunidade, no Processo kafkaniano, assistir aos bastidores do partido dos trabalhadores fazendo a mea culpa por terem alimentado os monstros que fundaram esse país.falo de monstros em conceito, que às vezes na pantomima personificam-se em janaínas paschoais e aluysios de azevedos, ou anastasias e aécios, e nos verdes-amarelos.

e é isso que se trata esse ótimo filme: é um estudo sobre linguagem corporal. a montagem de contraplano de ilustração é praticamente uma amostra do funcionamento de mídia e do jornalismo.

a imagem que ilustra é sempre um “reaction shot”, ou um plano emocional. só dar alguns exemplos> veja na sua timeline quantas capas de matérias jornalísticas, ou chamadas de postagem, ou como se chama hoje “cards”, tem a foto de um político da oposição sorrindo e outro do governo atual, com cara de vômito.

mesmo que seja pleonasmo bolsonaros com cara de vômito, ao se colocar um valor de conteúdo, é um direcionamento.

a tática que foi usada contra os governos do partido dos trabalhadores durante décadas, na imprensa, na tv, na internet, até moldar o que o eduardo cardozo, o advogado que falou sobre a caverna de platão, a suposição em realidade.

e o filme não deixa de tornar muito evidente que a escolha dos contraplanos são de fato um direcionamento de ilustração, afinal quem garante que os reaction shots são exatamente daquele momento?

a semiótica das imagens é muito bem pensada na publicidade e nas campanhas políticas, e no filme O Processo, a câmera se torna invisível, em meio à milhões de outras câmeras.

é o olhar da cineasta que edita ao parecer um reality show. os contraplanos de reaction shot dos homens políticos, com afaguinhos, sorrisinhos, tapinhas nas costas, são impagáveis.

neste filme tem o que de melhor pode se juntar do pior que tem na política brasileira, mas sem explicar com uma narração do pedro bial ou da petra costa.

foi difícil acompanhar o dia a dia das notícias na época, com tantas atividades de sobrevivência e recriação, passando para 2017 com o nefasto governo golpista, e 2018 com a prisão de lula e assassinato de marielle.

revendo como foram os bastidores de O Processo kafkaniano de maria augusta, fica mais evidente um sentimento — meu reaction shot — de ódio, de muito ódio de uma corja de políticos golpistas.não que fosse um governo bom de dilma, é por outra questão, como colocou bem janaína paschoal, é de ordem da loucura.

cada vez mais dá ódio de quem ficou isento com este golpe, e quem ainda apoia o pior que veio do day after.e não à toa, a primeira cena é com o deputado de chapecó, com a bandeira de santa catarina, falando de forma nojenta e asquerosa, “em nome de deus e da família”.

deputado que hoje é prefeito bolsonarista de chapecó, e possível próximo governador de santa catarina. em chapecó, a estátua do “desbravador” não vai perder tempo, dando tempo ao tempo, às estátuas uma por uma colocadas abaixo.

por favor, não venham esquerda de elite reclamar mais conhecimento de causa para ações revolucionárias como da estátua de borba gato com mil interpretações de tempo e história.

o tempo é de quem se revoltar contra as estátuas, dali, de chapecó, da havan, dos pseudo conservadores neoliberais de brasilia, do monumento do centrão.

sou mais a favor de uma narrativa maria augusta, aberta e bem dirigida, que o personalismo de elite dos outros filmes do mesmo tema…